Eu tenho uma tia. Tenho outras, mas essa é a mais próxima. Todo mundo diz que somos muito parecidas embora eu não ache. Ela é tão frágil e tão pequena (menor do que eu), mas em certas horas demonstra ter uma força que até assusta.
Então um dia a barriga dela começou a crescer e foi diagnosticado hérnia de hiato (o ar estava entrando no estômago de uma forma descomunal) e decidiram então operar, essas coisas. Então ela foi, fez a cirurgia e todo mundo achou que ia ficar tudo bem.
Mas depois da cirurgia, a suspeita: tinha alguma coisa estranha e havia um sério risco de ser câncer.
Então eu passei duas semanas tentando ser otimista, dizendo com uma certeza que eu não tinha que não era nada do que a gente tinha medo e que ia ficar tudo bem. Mas toda vez que eu lembrava dela, do rosto dela, me dava um frio na barriga, um medo, uma coisa ruim. Aquela sensação de que existem coisas que a gente não pode controlar por mais que esse seja o nosso desejo.
Logo que eu cheguei em casa hoje, liguei para o meu pai. Ele perguntou se eu já sabia da minha tia, irmã dele. Parei de respirar.
Nada maligno detectado na biópsia.
Chorei como uma criança, como a muito tempo eu não chorava.
Alívio, felicidade. Lembrei das minhas primas, do meu pai, da minha avó que já sentiu a dor de perder uma filha da forma mais brutal possível.
Telefonei pra ela só pra dizer que eu a amava. Eu sempre disse isso pra ela, eu tenho o abençoado hábito de dizer isso para as pessoas que eu amo sempre, mas hoje eu tinha que dizer mais do que nunca. Porque eu senti junto com ela o medo, junto com ela eu acreditei que tudo ia dar certo, e, pelo menos um pouquinho, hoje eu nasci de novo junto com ela.
Então eu também pensei que, mesmo que você esteja preocupada se você vai ter dinheiro pra entrar na ginástica, achar que não vai conseguir cumprir um prazo no trabalho e se aquele cara vai ou não vai ligar e coisas como essas façam parte da vida, eu, ela, todo mundo, por mais frágil e vulnerável que a gente seja, a gente é muito maior do que isso.
Porque o importante são as relações: a amizade, a cumplicidade, a paixão, o amor. O resto a gente ganha e perde toda hora, isso faz da gente peças de um jogo sem regras.
É pelo medo, pelo prazer, pela alegria, pela angústia e pela eterna mania humana de ter esperança que tem graça tudo isso aqui.