Então tinha chegado o mês de junho.
E aquela mesa de quatro cadeiras estava maior do que nunca. Mais vazia, mais gelada, mais corroída pelo tempo e pelos arrependimentos.
Tudo estava vazio. O silêncio e o frio machucavam.
Lembrou-se da primeira vez que chegaram àquele bar recém-inaugurado. Tudo tinha cheiro de novo. A cerveja tinha um gosto diferente. Ficar bêbado naquela mesa, os quatro amigos juntos, era um sinal de louvor à vida que estava começando.
Tinham apenas dezoito anos quando surgiu a proposta de um pacto. Daqueles que ninguém acha que um dia vai cumprir.
Sempre que um dos quatro morresse, os outros se reuniriam na noite seguinte, naquele bar, naquela mesa, pra fazer um brinde ao falecido.
E outras noites houveram, e tantas histórias, e tantas agonias, e tantas alegrias e tanta coisa que acontece todo dia na vida de todo mundo.
Então, quando tinham vinte anos e o inverno estava começando, um caminhão na estrada jogou pra fora da estrada e da vida o primeiro dos amigos. O mais alegre, o mais animado. O que tinha mais medo de morrer.
E ele foi embora e uma cadeira ficou vazia.
E os três amigos então se reuniram e misturaram cerveja e conhaque àquela dor que ninguém conhecia nem poderia explicar.
Então naquela noite de dor formou-se um casal na mesa do bar. Ela sempre foi apaixonada pelo amigo que morreu. Doía saber que parara de respirar sem saber isso. Tentou dizer bem baixinho, no velório, esperando inconsientemente que esboçasse alguma reação mas não. Uma vida inteira de chances tinha acabado.
E procurou nos ombros do amigo um consolo e achou muito mais.
A dor demorou a passar mas ela sabia que ela podia dizer o quanto o amava o quanto quisesse.
Então passou o inverno e chegou o verão e trouxe o frio de novo.
E levou o segundo amigo embora. A segunda cadeira vazia.
Ele tinha vinte e um anos e descobriu que tinha uma doença que ninguém saberia qual era porque esse segredo foi digerido com os comprimidos para dormir.
O casal, agora mais casal e mais unidos e mais um só do que nunca, tentava encontrar uma explicação. Tentava convencer um ao outro que deveria haver um tratamento, não importava qual fosse a doença.
E naquela noite de junho o casal brindou ao amigo suicida com uma garrafa de tequila e milhares de dúvidas no fundo de cada copo.
Mas ainda tinha um ao outro e duas cadeiras vazias na mesa. E a idéia mais presente de que sempre estamos caminhando pra algo incerto, que o destino do homem é sempre uma mesa vazia e histórias pra lembrar de quem já foi embora e não teve tempo ou ânimo pra dizer adeus.
Então chegou o verão e decidiram se casar.
Então chegou o outono e ela descobriu que estava grávida.
Então chegou o inverno e a bala perdida.
Estavam na rua, falando sobre o frio e sobre a alegria de um bebê que iria chegar na primavera.
E falavam sobre o nome do filho, que se fosse menino teria duas opções de nome que seriam tiradas no par ou ímpar.
O nome dos dois amigos que não estavam ali.
Mas não deu tempo. Tudo acabou antes.
Um tiro que não se sabe de onde veio atingiu a cabeça do homem amado que caiu nos seus braços e não teve tempo de dizer nada no meio de tanta gente correndo e tanta gente abaixada no chão.
Fulminante.
E fim.
E agora era só uma cadeira ocupada no bar vazio, mas a cadeira estava mais vazia do que todas as outras.
Os três tinham ido embora. Os três amigos que ela tanto amava a deixaram sozinha e ela não teve tempo de dizer adeus a nenhum deles e agora ela não sabia mais pra onde ir.
Tinha um filho na barriga mas não conseguia pensar. Tomou o último gole de uísque, pagou a conta e foi embora.
Sozinha.
Não sabia pra onde, não sabia até quando, só sentia frio e só tinha uma certeza:
Nunca mais iria voltar.